Texto de fim de ano com preocupações fantasiosas.
Contém imaginações de criança.
Se existisse um grande ser, um deus, encarregado de cuidar do tempo e da história - imagino-o muito, muito velho, barbudo e enrugado -, ao final de todo ano ele viraria uma página rabiscada de um grosso calendário - faria algo como carimbá-la, com um selo imponente dos deuses, ou vistaria com sua assinatura divina (para atestar aos outros deuses que não esteve matando trabalho) -, e alisaria a página do novo ano com sua mão calejada. E se, por acaso, o caderno estivesse no fim (cada caderno cobriria algo em torno de cem ou duzentos anos), ele fecharia este caderno e o jogaria, displicentemente, numa pilha montanhosa de outros cadernos, logo ao lado de sua mesa descomunal, e o livro atingiria certa parte da montanha e rolaria para baixo, já que não há mais tanto espaço lá em cima. O deus do tempo é assim, desorganizado e indolente, porque viveu idades inconcebíveis, Eras como segundos, e não teve outro fim senão entediar-se. Então algum outro deus, talvez o deus da manutenção, bateria na sua porta da madeira mais antiga e diria: "Preciso de 2012 finalizado e carimbado para o relatório." E o deus do tempo levantaria, cansado e sonolento, e escavaria a pilha de cadernos, vez ou outra pegando nas mãos livros tão antigos que neles não haveria números ou letras, apenas cores e pontos e traços. Então pousaria o caderno 1857-2012 ao lado da porta, marcharia até um canto da sala com pilhas e pilhas e pilhas de caixas, com centenas de cadernos em cada uma. O deus do tempo pegaria um caderno novo e branco da caixa mais próxima e olharia - um olhar distante - o corredor das caixas, tentando encontrar seu fim.