Seu
alicate era quase uma extensão etérea do próprio braço. Um traço
angelical que se somou quando primeiro viu seu pai cortando fios de
cobre na garagem de casa. Era um pirralho, mas a vontade de
destrinchar os objetos mais fortes e vê-los ceder ao instrumento,
com a ajuda do braço humano, caminhou com ele pelo resto da
adolescência. E quando passou o início da vida adulta e perdeu
muitos cabelos, já tinha fabricado seu próprio arsenal de
ferramentas de corte. Iam desde tesouras até morsas. Mas nada se
comparava ao alicate. Fizera-o com vinte e dois centímetros de
comprimento, cada barra da base feita de ferro coberto por uma
borracha vermelha tinha quatro centímetros de diâmetros, havia
saliências antiderrapantes, para quando o suor da excitação
inundasse as palmas das mãos, isso não interferisse na ação de
esmiudar tudo que quisesse. A diferença estava na área do corte,
que era reforçada e feita de aço temperado, e o corte seria rápido
como uma guilhotina, preciso como um bisturi. O eixo era preso por um
bravo parafuso dentado de titânio, e sua maleabilidade era
impressionante. Já havia feito tudo que pudesse ali, e enquanto
estudava novas técnicas na revista cirúrgica e materiais nos
catálogos de construção, malhava infatigavelmente os braços,
ombros e tórax. Afinal dali sairia toda a força. Sua silhueta era
descomunal, tendo crescido a ponto de quase atingir dois metros de
altura, e pesar cento e quinze quilos. Treinava a mira e a agilidade
em pedaços de carne que recebia do açougue. Montara sua própria
área na garagem, onde interpretava uma sala de cinema, o banco de um
banco, a poltrona de um ônibus, e deitava ali uma pata suína
descongelada. Sentava. Mantinha-se implacável, parado, então dava o
bote, o alicate saindo debaixo da casaca, os dentes de metal como as
pinças de um alacrau, ganhando o tecido em milissegundos. Mas havia
também os testes de aproximação sorrateira, onde pendurava a carne
na cabeceira de um encosto e passeava pelo ambiente até chegar tão
perto que não era necessário bote algum. Apenas tirava o alicate da
casaca, posicionava-o, e o corte estava feito. Haveria sempre de
decepar completamente o membro, ou voltaria para casa desolado, se
auto-flagelando com beliscões em baixo da roupa que chegavam a
arrancar filetes de sangue. Suas feridas estavam todas saradas, dada
à sua destreza atual. Quando chegava a hora de atrever-se fora da
placidez de sua garagem, vestia os coturnos número quarenta e oito
do tempo de soldado, a calça preta e impermeável de motoqueiro, uma
camisa qualquer e a casaca de couro preto. O capacete lhe servia de
disfarce, o visor com adesivo fumê tinha duas órbitas
estrategicamente recortadas para a melhor visão do que estava
fazendo. Desta forma ele via tudo, e quem quer que fosse atacado
notaria no máximo a cor de seus olhos, e teriam de dotar de olhos de
coruja. Os jornais o chamavam de Fura-bolos, dada sua preferência
pelo dedo indicador. Gostaria, sim, que o chamassem Mata-casais, ao
seu desejo de decepar os dedos anulares, mas era apenas muito difícil
acertá-los, junto aos dedos médios. Conseguira a proeza, porém,
quando um rapaz de anatomia longa estendera o braço pela poltrona da
namorada no cinema, e o dedo que carregava o anel ficara na posição
perfeita para o bote. Clac! Sem mais ‘aceite este anel como símbolo
do meu compromisso e de meu amor’. Divertia-se particularmente com
a retardada reação de dor de suas vítimas. Recolhiam o braço como
um relâmpago, como se alguém os tivesse esbarrado um pouco mais
forte, a expressão de interrogação nas sobrancelhas, até que
sentiam o líquido quente, a ardência, e se davam conta de que
faltava-lhes um dedo. Era tudo que se permitia regozijar, dando
procedência ao sistema de fuga. Trinta e quatro dedos era sua conta,
e agora tinha outros planos em mente. Os dedos estavam enjoativos,
portanto esta noite se preparava para cortar algum lóbulo de orelha,
ou quem sabe apenas um naco de carne de peles despidas.
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